RESUMO
A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é um setor hospitalar caracterizado por ser responsável pela monitoração contínua de pacientes potencialmente graves ou com descompensação de um ou mais sistemas orgânicos, sendo fornecidos o suporte e tratamento intensivos que podem contribuir na recuperação dos mesmos. O presente relato de caso tem como objetivo abordar a intervenção odontológica na UTI de um hospital em Brasília-DF, suas peculiaridades e condutas clínicas adotadas na promoção de saúde e adequação do meio bucal. Paciente idoso dependente, leucoderma, portador de demência em estágio avançado, com 86 anos, foi internado por um período de 06 dias na UTI devido a comprometimentos sistêmicos pulmonares e outras implicações sistêmicas. A ação odontológica foi direcionada à eliminação de focos inflamatórios como o biofilme (placa bacteriana) e cálculo supragengival, além de possíveis agentes infecciosos decorrentes de problemas bucais, como a saburra lingual, que poderiam estar agindo como incrementantes de doenças sistêmicas adquiridas como a pneumonia nosocomial. Foram realizadas ações clínicas como raspagem supragengival, escovação dentária orientada e supervisionada com pasta profilática e fluoreto fosfatado acidulado a 1,23%, além da terapia periodontal de suporte. Foram realizadas orientações à equipe de enfermagem de manejo, técnica e adaptação profissional para a manutenção da saúde bucal. Observou-se a melhora significativa da condição odontológica do paciente, ou seja, a eliminação do biofilme dental, saburra lingual e do processo inflamatório nos tecidos periodontais colaborando, de fato, para o não-aparecimento de novas doenças oportunistas, como é a pneumonia nosocomial. Concluiu-se que a participação de um cirurgião dentista, com capacitação voltada à este tipo de paciente, ajuda de fato numa mudança de quadros clínicos, tornando as equipes verdadeiramente interdisciplinares para uma pronta recuperação dos pacientes.
INTRODUÇÃO
As infecções hospitalares são consideradas importantes problemas de saúde pública e causas significativas do aumento da mortalidade e dos custos hospitalares (gastos de materiais e medicamentos), valendo salientar que em hospitais brasileiros a taxa de infecção hospitalar é em média de 5% a 10% 1,2,3,4.
Nos Centros de Tratamento Intensivo a infecção mais comum é a pneumonia e o paciente intubado e sob ventilação mecânica tem um risco várias vezes aumentado de desenvolvê-la 5.
O risco de desenvolvimento de pneumonia nosocomial é de 10 a 20 vezes maior na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), sendo que o seu desenvolvimento em pacientes com ventilação mecânica varia de 7% a 40% 6.
Considerada uma enfermidade debilitante, principalmente no paciente idoso e imunocomprometido 7, a pneumonia nosocomial, é aquela desenvolvida após 48 horas de internação hospitalar e que não estava presente ou incubada no paciente no momento da admissão hospitalar 8. É responsável por 10% a 15% das infecções hospitalares, sendo que 20% a 50% dos pacientes afetados por tal condição falecem 9,10.
A forma mais comum dos micro-organismos bucais alcançarem o trato-respiratório inferior é por meio da aspiração do conteúdo da orofaringe 11, sendo que em pacientes com a percepção prejudicada como em pacientes com comprometimentos neurológicos o risco se torna muito maior 12.
A associação do biofilme bucal e infecções respiratórias pode ser bem exemplificada por alguns estudos que mostram essa íntima relação 7,9,10,13,14,15. Segundo Cardeñosa et al. (1999), a cavidade bucal é a primeira fonte de organismos patogênicos que causam esta patologia, a pneumonia nosocomial .
O biofilme adquirido por uma higienização deficiente, poderia resultar em uma elevada concentração de patógenos na saliva, que poderiam ser aspirados para o pulmão em grandes quantidades, deteriorando as defesas imunes do paciente na UTI afirmam Jenkins(1989), Moore , Moore(1994) e Oliveira et al. (2007).
Além disso, em condições favoráveis, o biofilme poderia abrigar colônias de patógenos pulmonares, promovendo o seu pleno desenvolvimento e facilitaria a colonização das vias aéreas superiores por tais microorganismos 19,20, além de aumentarem a sua quantidade e complexidade com o tempo de internação 21,22.
O presente trabalho tem por finalidade, por meio de um relato de caso clínico, abordar as condutas clínicas odontológicas na promoção de saúde bucal realizadas na UTI, de um hospital em Brasília-DF, em um paciente idoso dependente portador de demência em estágio avançado, focalizando o controle do biofilme dental, abordagem clínica adotada e possível repercussão sistêmica no mesmo.
RELATO DE CASO CLÍNICO
Paciente, C.M.B., leucoderma, 86 anos, portador de demência em grau avançado, ou seja, comprometimento das funções de memória, cognição, comunicação, funções físicas, motoras e de cuidados pessoais (higienização bucal inclusive) foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital particular em Brasília, devido a comprometimento infeccioso do trato respiratório inferior.
Além do quadro pneumológico, o paciente apresentava outras alterações sistêmicas como hipertensão e disfunção renal, conforme prontuário médico intensivista, o que também estabelecia que o paciente estava submetido a ação antibiótica específica e monitoramento sistêmico contínuo.
A participação do cirurgião-dentista em tal caso foi baseada na indicação médica e aceitação familiar para que fosse feita uma avaliação da condição bucal do paciente após informações adquiridas da equipe da enfermagem que fazia parte do grupo de profissionais que assistia tal paciente.
As principais queixas da equipe de enfermagem foram a grande dificuldade de realizar a higienização bucal adequada devido às dificuldades de abertura de boca por parte do paciente, impedindo a realização de corretas técnicas de escovação dentária, das mucosas, palatos e língua.
A presença de sangramento gengival após a “tentativa” de uma correta higienização bucal diária e o grande acúmulo de placa bacteriana, biofilme dental, e o desconhecimento de como eliminar a presença desse possível foco inflamatório foram os sinais clínicos expostos e orientações dadas pela equipe de enfermagem responsável pelo paciente.
Avaliação odontológica
A realização do exame odontológico foi baseada, inicialmente, pela solicitação aos familiares da assinatura do Consentimento Livre e Informado/Esclarecido, que autorizaram a avaliação odontológica por parte do profissional competente e o possível registro de todo o caso clínico por meio de imagens e posterior divulgação 23.
Também, foi solicitada à equipe médica intensivista responsável pelo paciente, a autorização prévia para o exame clínico.
A interpretação odontológica feita foi baseada na grande dificuldade da equipe de enfermagem em realizar corretas adaptações, manejo clínico, falta de capacitação profissional para a realização de ações corretas e favoráveis à promoção de saúde bucal 15 do paciente.
O paciente apresentava os dentes hígidos com grande acúmulo de biofilme, cálculo supragengival, principalmente da região lingual dos dentes anteriores inferiores saburra lingual e ausência de cáries, considerados possíveis fontes específicas de infecção nosocomial 9,10,20.
Após tal avaliação, foi elaborado um relatório clínico da condição da cavidade bucal do paciente, juntamente com as imagens feitas, exemplificando a real situação em que o paciente se encontrava e o plano de tratamento a ser realizado, sob consentimento médico e, principalmente, familiar 24.
Conduta odontológica adotada
Os procedimentos odontológicos planejados e executados visaram a eliminação dos possíveis focos de inflamação, favoráveis a instalação de infecções oportunistas como a pneumonia nosocomial, por meio de ações odontológicas de mínima intervenção de caráter preventivo e orientações à equipe de enfermagem a respeito de possíveis meios favoráveis, sob supervisão, na promoção da saúde bucal do paciente 7,15,25.
Com a utilização de meios auxiliares como abridores de boca e expansores 23,24 ampliou-se o campo de visão clínica para a realização dos procedimentos planejados.
A eliminação da presença de biofilme dental e cálculo supragengival foi feita por meio de raspagem , associada à profilaxia feita com escova dentária com pasta profilática. Associou-se à higienização da língua a utilização da solução de gluconato de clorexidina a 0,12% por meio de gaze embebida e fixada em um porta-agulha e limpadores linguais 24,26,27 sob orientação à equipe de enfermagem de realizar tal procedimento duas vezes ao dia, num intervalo de 12 horas cada.
Optou-se, também, pela escovação dentária com fluoreto fosfatado acidulado a 1,23% com o objetivo de manter a cavidade bucal com um ph básico 23, 27, considerado menos nocivo às estruturas dentárias
Tais procedimentos foram feitos durante 06 dias consecutivos, 02 vezes ao dia (manhã e noite), pelo profissional da Odontologia e pela equipe de enfermagem após orientações recebidas 23,25.
Após esse período, constatou-se uma melhora significativa da condição bucal do paciente, ou seja, eliminação dos fatores retentivos de placa bacteriana, saburra lingual e da condição inflamatória do tecido periodontal. Estabelecendo-se uma condição de saúde bucal favorável e não-colaboradora ao surgimento de enfermidades oportunistas 3, como a pneumonia e a candidíase.
CONCLUSÃO
Na situação clínica apresentada, houve uma melhora significativa da condição odontológica do paciente internado na UTI, colaborando para o não aparecimento de novas doenças oportunistas..
A participação do cirurgião-dentista capacitado a esse tipo de atendimento hospitalar pode, realmente, ajudar na mudança de quadros clínicos odontológicos prejudiciais à saúde sistêmica.
Interessante. É a primeira vez que li um artigo sobre Odontologia na UTI. Valeu.
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